sou de uma estranha
raça que nunca pôde
sentir dor : a dor com
que se me pega, malho,
moo, coo, faço virar
amor:
não o amor frouxo
que o romanço remoi,
o romance-de-flor,
as poses de tela,
amor-de-ideia,
humor-de-ator:
o amor que a dor
pela minha raça introduz
é amor ainda de luz,
mas de raiar tão forte
(como soi ser das auroras)
que sacode, feroz,
o olhar de quem o conduz
(algo assim como a dor
de um prego leva
cada cristão a manter-se
atado à sua cruz):
esse amor todo
feito de dor, minha raça
preza e assina: somos febre, sintoma,
somos gnose e vacina
cortando como vidro cristalino
a carne que já vem ferida,
magoada, rasgada, corroída,
a carne que já quase
não tem vida:
a bolha de barro
a quem se convida
tornar-se infinita
quando voa
uma borboleta
desenha
no ar à sua volta
uma forma
(a sua)
sem volta
:
a forma
que deforma (descola)
das asas da
borboleta
é invisível e
quase
imperceptível
(leve
como se feita
só
de ar
:
a forma que se
desprende
das asas
de uma borboleta
se dissolve
sem parar
:
num segundo
se confunde
com a brisa
que vem
do mar (o sopro que
sobre
sai
da boca de Netuno
ganha
contornos
etéreos
volutas devolutas
:
imensa o lepidóptero
revira-lhe o crepúsculo,
osso, masculatura), sem
secura : a asa refluxa,
repulsa, repuxa
:
acolhe (e oculta)
a linha que une (e desune)
o céu e o mar que se escondem
no horizantes.